quinta-feira, 6 de junho de 2013

Polêmicas sobre o Estatuto do Nascituro

Ao abrir o facebook hoje, vi uma série de postagens de mulheres indignadas com a aprovação do PL 478/2007 que trata do Estatuto do Nascituro. Em linhas gerais a argumentação diz que “o feto vai ter mais direitos que a mãe”, “se a mulher sofrer um aborto espontâneo, será investigada pela polícia”, “a gravidez decorrente de estupro terá que ser levada adiante” etc.

Muita calma nessa hora!!!

Li o Projeto de Lei e vejo que existem muitas interpretações equivocadas a respeito do assunto. Temos que ter muita cautela ao sair divulgando supostas verdades por aí, principalmente em redes sociais, onde essas coisas se espalham em progressão geométrica.

Vamos começar do começo: A Constituição é a norma máxima do nosso país, que consagra valores fundamentais da nossa sociedade, especialmente a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a igualdade. Todas as normas jurídicas abaixo da Constituição devem com ela guardar coerência. E a dignidade é um direito de todos e não de um mais que de outro.

Pois bem. O PL 478 pretende instituir o Estatuto do Nascituro, reconhecendo-lhe alguns direitos. Muitos desses direitos já eram reconhecidos, inclusive, por outras disposições legais, bem como pela doutrina e pela jurisprudência. Veja-se, a título de exemplo, a possibilidade de recebimento de alimentos gravídicos trazida pela Lei n.° 11.804/2008.

As disposições preliminares do PL 478, que estão causando tanto rebuliço, não trazem nenhuma novidade relevante. O art. 6° inclusive diz: “Na interpretação desta lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar do nascituro como futura pessoa em desenvolvimento.”

O art. 13, um dos que vêm gerando polêmica, diz:
Art. 13 O nascituro concebido em um ato de violência sexual não sofrerá qualquer discriminação ou restrição de direitos, assegurando-lhe, ainda, os seguintes:
I – direito prioritário à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da gestante;
II – direito a pensão alimentícia equivalente a 1 (um) salário mínimo, até que complete dezoito anos;
III – direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento.
Parágrafo único. Se for identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia a que se refere o inciso II deste artigo; se não for identificado, ou se for insolvente, a obrigação recairá sobre o Estado.

Vamos fazer uma análise cuidadosa. O que o artigo diz é que o nascituro proveniente de um estupro não poderá sofrer qualquer tratamento discriminatório nem restrição de direitos. NÃO HOUVE QUALQUER REVOGAÇÃO DO ART.128, II DO CÓDIGO PENAL!

Ou seja, a interrupção da gravidez decorrente de estupro, com o consentimento da gestante, continua permitida. MAS, CASO A MÃE QUEIRA PROSSEGUIR COM A GESTAÇÃO, ao nascituro serão assegurados todos os direitos. Justo, não?

Observe-se, inclusive, que junto ao PL 478 está apenso o PL 1085/2011 que dispõe sobre a assistência para a mulher vítima de estupro que vier a optar por realizar aborto legal.

Outro artigo que, acredito, está causando confusão, é o art. 23: 
Art. 23 Causar culposamente a morte de nascituro.
Pena – detenção de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 1º A pena é aumentada de um terço se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante.
§ 2º O Juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

A morte culposa é aquela decorrente de imprudência, negligência ou imperícia. Assim, se um médico, num procedimento, fizer uma “barbeiragem” e causar a morte do feto, ele responderá criminalmente por isso, inclusive com a pena aumentada de 1/3. Se alguém avança o sinal vermelho e atropela uma grávida, causando a morte do feto, também responderá criminalmente por isso.

Agora, se uma mãe, por engano, ingere uma substância abortiva, o sofrimento dela vale mais que uma pena e ela não responderá por isso. É isso que o artigo diz. Justo, não?


No mais, permanece a criminalização do aborto doloso, com penas mais endurecidas e inclusão desse crime no rol de crimes hediondos. Isso sim é um bom tema pra gente debater, o resto parece mais aquela brincadeira de telefone sem fio.

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