terça-feira, 31 de maio de 2005

Martha Medeiros, once more!

Já falei aqui antes da Martha Medeiros, uma escritora gaúcha de quem gosto muito. Qual não foi a minha alegria quando ganhei de aniversário um livro seu de crônicas. Já terminei de ler há uns 10 dias e durante a leitura fui fazendo orelhinhas em algumas páginas que me chamavam a atenção. Eis aqui trechos de duas crônicas que amei:

Os inimigos da verdade

E seguimos nós: não sou mulher disso, não sou homem daquilo, nasci pra ser mãe, não nasci pra casar, eu me garanto, eu sei de tudo, aquele ali não presta, aquela outra não vale nada, só quem dá duro é que vence na vida, só os trouxas que se matam trabalhando, não preciso de terapia, não vivo sem terapia, nasci pra brilhar, tudo dá errado pra mim: e todos têm certeza do que estão dizendo – certeza absoluta.
Alguém tem lá certeza absoluta do que quer que seja? Somos todos novatos na vida, cada dia é uma incógnita, podemos ser surpreendidos por nossas próprias reações, repensamos mil vezes sobre os mais diversos temas: as ditas “certezas” apenas são escudos que nos protegem das mudanças. Mudar é difícil. Crescer é penoso. Olhar para dentro de si mesmo, profundamente, é sempre perturbador.
Não somos todos iguais como damos a entender. Mas vivemos todos de um jeito muito parecido. É mais fácil se manter integrado, é mais seguro saber direitinho quem se é e o que se quer da vida. Eu nunca vou fazer isso, eu jamais terei coragem de fazer aquilo: será mesmo? Quanto medo das nossas capacidades. Melhor adotar meia dúzia de convicçõesassim fica mais fácil manter o rumo. Que pode ser o rumo da verdade, mas também da mentira.

Nesta outra crônica ela faz uma analogia entre Pessoas e Cidades, citando o exemplo de São Francisco, que está localizada numa falha geográfica e suscetível de abalos sísmicos, o que pode ser motivo ao mesmo tempo de medo e excitação:

Assim também são as pessoas interessantes: têm falhas. Pessoas perfeitas são como Viena, uma cidade linda, limpa, sem fraturas geológicas, onde tudo funciona e você quase morre de tédio.
Pessoas, como cidades, não precisam ser excessivamente bonitas. É fundamental que tenham sinais de expressão no rosto, um nariz com personalidade, um vinco na testa que as caracterize.
Pessoas, como cidades, precisam ser limpas, mas não a ponto de não possuírem máculas. (...)
Pessoas, como cidades, têm que funcionar, mas não podem ser previsíveis. De vez em quando, sem abusar muito da licença, devem ser insensatas, ligeiramente passionais, demonstrar um certo desatino, ir contra alguns prognósticos, cometer erros de julgamento e pedir desculpas depois, pedir desculpas sempre, pra poder ter crédito e errar outra vez.
Pessoas, como cidades, devem dar vontade de visitar, devem satisfazer nossa vontade de viver momentos sublimes, devem ser calorosas, generosas e abrir suas portas, devem nos querer fazer voltar, porém não devem nos deixar 100% seguros, nunca.uma pequena dose de apreensão e cuidado devem provocar, nunca devem deixar os outros esquecerem que pessoas, assim como cidades, têm rachaduras internas, portanto, podem surpreender.

Um comentário:

  1. Acabei de reler esse último texto e ele é mesmo a minha cara!!

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