sábado, 25 de dezembro de 2004

Índio quer apito - Por Ana Kessler


Passei por uma vitrine num shopping e um urso me abanou. Pisquei duas vezes, um urso, no Brasil? Isso mesmo. Ele virou para o outro lado, mecanicamente, levantou o braço outra vez, e deu outro tchauzinho. Ficou assim, daqui pra lá, de lá pra cá, girando sobre a própria cintura, fazendo a alegria da criançada. Floquinhos de neve caíam do teto, guirlandas imitando pinheiros espalhavam-se pelos cantos, esquilos faceiros faziam poses em troncos de lenha, segurando nozes. Até uma rena, em tamanho natural, voava suspensa num dos cantos do cenário. Muito bonito, mas patético.
Todos os anos, vejo passar aqueles filmes na tevê onde crianças embrulhadas em grossos casacos, gorros e cachecóis, fazem guerra de bolas de neve, escrevem com os dedos em janelas embaçadas pelo frio, ficam em volta da lareira, cantando Jingle Bells, pendurando mashmellows coloridos em forma de bengala em pinheiros cuneiformes, ou colocando suas pesadas botas na janela para amanhecerem cheias de presentes. Todos os anos, eu fico cá me perguntando: porque será que ainda insistimos em reproduzir um Natal que não tem nada a ver com o nosso?
Natal no Brasil é sinônimo de calorão, suador, roupa grudando no corpo. Até onde eu saiba, não há neve que resista a 30ºC na sombra. Por que não divulgar, nos anúncios publicitários, em vez de ringues de patins sobre lagos congelados, um bom tobogã numa gigantesca duna de areia que se acaba dentro de águas cristalinas no mar? E se trocássemos o chocolate quente pela água de côco, a botina por um chinelo de dedo, os duendes do Bom Velhinho por vários Sacis Pererês?
Tender, chester, panettone, pistache, não entendo pra que tanto estrangeirismo. Tudo bem, são quitutes deliciosos, não estou reclamando. Eu também compro, como, e gosto. Mas por que não servirmos, com o já incorporado peru, um belo bolo de fubá ou um delicioso cuscuz, bolo de milho, que fosse? Em vez de sodas, sucos. Em vez de amêndoas, castanhas de caju. No lugar de frutas cristalizadas, frutas frescas. Papai Noel aqui devia ser um índio cacique sentado numa carroça puxado por, no máximo, antas. Sabiás, araras, papagaios, onças pintadas, macacos pregos, tamanduás-bandeira, esses deveriam ser os animaizinhos a enfeitar as lojas. Ah, quanto exotismo desperdiçado...
A única coisa do Natal que me consola é o Presépio. Esse sim, é um símbolo que nos representa. Um pobre marceneiro, que puxou um pobre burrico com uma pobre moça barriguda até uma estrebaria, onde na palha, no chão, pariu uma pobre criança iluminada. Cercada de bois, vacas e toscos presentes de magros reis, nasceu aquele que transmitiu à humanidade palavras de esperança e fé. Acho que nós brasileiros somos assim, pobres crianças iluminadas, abençoadas por uma estrela guia, a contagiar de alegria um mundo de ilusões.

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